segunda-feira, novembro 07, 2005

"O Eterno Retorno..."


O Mito do Eterno Retorno...



O mito do eterno retorno diz-nos, pela negativa, que esta vida que há-de desaparecer de uma vez por todas para nunca mais voltar, é semelhante a uma sombra, é desprovida de peso, que, de, hoje em diante e para todo o sempre, se encontra morta e que, por muito atroz, por muito bela, por muito esplêndida que seja, essa beleza, esse horror, esse esplendor não tem qualquer sentido.

Digamos, portanto, que a ideia do eterno retorno designa uma perspectiva em que as coisas não nos aparecem como é costume, porque nos aparecem sem a circustância atenuante da sua fugacidade. Essa circustância atenuante impede-nos, com efeito, de pronunciar um veredito.

Poderá condenar-se o que é efémero?

Isto deixa entrever a profunda perversão inerente a um mundo fundado essencialmente sobre a inexistência de retorno, porque nesse mundo tudo se encontra previamente perdoado e tudo é, portanto, cinicamente permitido...

Se cada segundo da nossa vida tiver de se repetir um número infinito de vezes, ficamos pregados à eternidade. No mundo do eterno retorno, todos os gestos têm o peso de uma insustentável responsabilidade que torna o fardo mais pesado.

Se o eterno retorno é o fardo mais pesado, então, sobre qual pano de fundo, as nossas vidas podem recortar-se em toda a sua esplêndida leveza?
Mas na verdade, será o peso atroz e a leveza bela?

O fardo mais pesado esmaga-nos, verga-nos, comprime-nos contra o solo. Mas, na poesia amorosa de todos os séculos, a mulher sempre desejou receber o fardo do corpo masculino.

Portanto, o fardo mais pesado é também, ao mesmo tempo, a imagem do momento mais intenso de realização de uma vida. Quanto mais pesado for o fardo, mais proximo da terra se encontra a nossa vida e mais real e verdadeira é.

Em contrapartida, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, fá-lo voar, afastar.se da terra, do ser terrestre, torna-o semi-real e os seus movimentos tão livres quanto insignificantes.

Que escolher então? O peso ou a leveza?

Foi a questão que se debateu no século VI antes de Cristo, o universo estava dividido em pares de contrários: luz-sombra; espesso-fino; quente-frio; ser-não ser, considerando que um dos polos de contradição era o positivo (a luz, o quente, o fino, o ser) e o outro, negativo.Esta divisão de pólos positivos e negativos pode parecer de uma facilidade pueril.

Excepto num caso, o que é positivo: o peso ou a leveza?

O problema é esse, mas uma coisa é certa: a contradição pesado-leve é a mais misteriosa e ambígua de todas as contradições...

<<... pensar que, um dia, tudo o que se viveu se há-de repetir ainda uma vez e outra vez...>>


-=Milan Kundera=-
"A Insustentável Leveza do Ser"

1 Comments:

At 9:35 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Quem disse que a vida era justa???

 

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